1. |
Boa Praça
04:56
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Cães de caça
Cruzes!
Devotado bicho enjaulado
de um lado para o outro
de um quadrado imaginário
O pastor na praça
diz dos dons graça
em um tom raivoso
tanto ou quanto mais raivoso
que os pastores alemães
nos portões de Auschwitz
E vê-se na cara da gente que passa
a desaprovação dos mais esclarecidos fieis da tecnociência
que sempre esteve, está e sempre estará lá
para prover dias de sol e penicilina
O pastor na praça, lebres troçam
cães de caça
e é aquele corre-corre sobre o gelo fino
Cruzes!
Devotado bicho acelerado
de um lado para o outro
de um quadrado imaginário
O povaréu na praça
das graças iluministas
Orgulhosos pós-modernos
tanto ou quanto mais orgulhosos
que os soldados alemães marchando sobre Paris
E vê-se na pressa da gente que passa
a total convicção de que vão
para algum lugar onde não
não é preciso mais sujar as mãos ao trocar a poeira de lugar
Cães de caça, lebres troçam
corações a diesel rosnam pelo luaral de led
Cruzes!
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2. |
Chapa Branca
04:54
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"Toma cuidado com o mundo virtual
Quem não teclar direito cai na mão do general
Desavisado, deleta teu perfil
Quem não teclar direito tá banido do Brasil"
Falei tanto contra o governo
Mas o governo se reelegeu
Não bastando, pichei opositores
E todos se elegeram deputados, senadores
Daqui pra frente eu sou chapa branca
Chapa branca, chapa branca
Uma palavra dissidente é o que de mim
(Haha!)
Ninguém, ninguém arranca
O segredo nesse mundo cão
É fazer cara de paisagem e alugar opinião
Sinceridade é bem pior que um atestado de óbito
O inteligente desce, o burro sobe e tu cai no chão
O segredo que no mundo há
É lamentar com ai ai ai e comentar com blá blá blá
Ser alinhado, pragmático, antenado e insípido
Que é bem melhor ter nome em área VIP do que comprar um abadá
Falei tanto contra o governo...
O segredo nesse mundo aê
É ser esquerda, é ser direita, caviar, bundalelê
Amar Olavo sexta-feira, Marilena no sábado
Domingo esconjurar os dois na taba do canjerê
O segredo nesse mundo mau
É ter curingas na imprensa e virar multicultural
Ir alargando a banda larga com requintes de estética
Que a voz de Deus é a voz da internet e cada viral, nova moral
Falei tanto contra el gobierno
Mas o governo se reelegeu
Não bastando, pichei opositores
E todos se elegeram deputados, senadores
Por isso agora eu sou chapa branca
Chapa branca, chapa branca
Uma palavra dissidente é o que de mim
(Haha!)
Ninguém, ninguém arranca
(Levada louca, levada louca)
-Cale-se, cale-se
-Vem calar!
O segredo nesse mundo bom
É ser ateu, ser hari-krishna e comunista do Leblon
"Adevogado", ecologista, globalista e grão-maçom
Pentecostal, pró-ativista, terrorista e dizer om
Neo-liberal porém holista, ser lobista de bom tom
Purista ou neotropicalista, tipo assim, levar um som
Roqueiro pró-militarista, tipo assim, levar um som
E cresce e cresce e cresce a lista até o dia do Armagedom
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3. |
Kamikaze
04:03
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Bêbado de lua
Alado de vertigem
Minha fuselagem
É bicho no cio
Ânsia que me aflige
Mergulho na voragem
Tremo de coragem
Dentro do vazio
Na roda da sorte
A vida e a morte
Já estão encruzilhadas
Uma quase arranha o céu
Levando à revelação
Outra só aponta para o chão
Terra, pátria, mãe, babel
E eu aqui suspenso
Pêndulo de aço
Já não posso ir nem voltar
Êxtase e colapso
Bambo sobre um vértice de luz
E por mim quem vai chorar?
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4. |
Para um amor no Leblon
02:54
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Algo me perturba no teu riso juvenil
Decerto que são lícitas mil formas de prazer
Mas uma aura turva sob o rictus vazio
É sulfurosa e cínica se os olhos podem ver
Algo nesses ares de quem preza o bem comum
E os frutos do progresso nos seus cômputos gerais
Pelo calendário num cruzeiro honeymoon
A flâmula corsária, e deixa o que passou pra trás
Lembro, meu amor
Sob os temporais
Meu norte era a trilha dos teus pés
Hoje, meu amor
São tempos de paz
E já não me enganas mais
Penso nas objeções que hás de me fazer
À luz de pragmáticos avanços sociais
Toda aspiração é regressiva e demodée
Se não exalta as diferenças finalmente iguais
Tudo que for feito deve ter igual valor
Conquanto que prescinda de detidas audições
O hábito comove, a tradição se superou
Pela prova dos nove de entretidas multidões
Meu amor, talvez
Pudesse prever
Mas era mister usufruir
Hoje das galés
Do seu bem querer
Meu tormento vais ouvir
Dos espinhos que extraí
Com meu verso bisturi
Pus a cara pra cuspir
No silêncio vai zumbir
Iminência, grão vizir
No chopinho no Jobi
Lívido, cair em si
Proibido, proibir
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5. |
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05.1. O ARTISTA SOCIAL DE FEICEBUQUE
(Sergio Krakowski sobre texto de Thiago Thiago de Mello)
O artista social de feicebuque
compreendeu mal o relativismo
Para ele academia é achismo
e o local para se exibir o muque
Ele pensa que a verdade é só um truque
resquício tardio do cristianismo
uma aporia do positivismo
Mas a antropologia renovou o look
após índios matarem o Capitão Cook
considerado o pai da Oceania
Por isso hoje todo mundo é artista
e a metafísica é a nova poesia
Depende apenas do ponto de vista
voz: Thiago Thiago de Mello
programações: Sergio Krakowski
05.2. APOCALÍPTICOS E INTEGRADOS
(música: Thiago Thiago de Mello/ letra: Thiago Amud)
O homem bom bateu na mídia
Inflou a bolha brasileira
O homem bomba caiu fora
Deve cair em meia hora
Lá na fronteira
O homem bom babou de acídia
Pediu justiça no Leblon
O homem bomba é furibundo
Pois sabe que nem todo mundo
Sabe ser bom
Lá vem a tropa de bons moços
Marcha-soldado pós-Brasil
O homem bomba é tão sozinho
E quando triste, o pobrezinho
Liquida mil
Na minha terra tem destroços
Cada bravata é solução
O homem bom é tartamudo
O homem bomba explode tudo
Por compaixão
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6. |
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A língua maior do que a boca
É mãe da ressaca moral
que ao jogador sempre toca
se lhe falta cabedal
E o asno da mente empaca
Por desdizer o já dito
O que é lâmina de faca
No cabralino contrito
Então, de caraminholas
tentando-me ver liberto
Compus em verso pachola
um duelo de alvo incerto:
Encontram-se numa sala
o professor e o aluno
E quanto mais este fala
À beira do inoportuno
Aquele mede o caminho
da correição nas paredes
e um suspirar bem baixinho
a sua fala antecede
Do muito que se sabe
quase tudo - ou tudo -
cabe na gaveta da história
história da idéia
idéia que precede os fatos
o belo, pra começar, então:
quantas vítimas já não padeceram
dessa convenção?
………………………………
Desejo, no encetamento
A vós e vossa família
Da saúde, cem por cento
da sorte a melhor partilha
E peço, que atrevimento!
entretenha esta cartilha
Tipo assim, um argumento
Em alforje de redondilha
Não seja tipificado
por minha ânsia do elevado
Ou cingido lado a lado
com funestos guardiões
De instituições caducas
ideais ultrapassados
armadilhas e arapucas
De altas civilizações
Não seja o indesejável
ainda recém chegado
hóspede mal ajambrado
genioso e irascível
Arrogando-me o direito
por ardor embriagado
de apontar um rei pelado
onde não se vê defeito!
Pois eu sei que o tempo passa,
e os pecados esmiuça
não sou pedra, sou vidraça
e me cabe a carapuça
Mas será, não obstante,
que no fundo breu do chão,
de carvão a diamante,
a larga transmutação
não carece ter dos anos
o peso por compressão?
Que apesar de tantos danos,
façamo-lhes distinção?
Legados de séculos...
- De quem? Por quem? -
Guardados
- A que preço? -
pilhados à vasta história do mesmo
Romancistas, poetas
engalanados do cosmos branco
dos feitiços de brancos
cavando espaços
pelas amplitudes metafísicas
Nas cartas do vigário
tentamos ter a compreensão
do índio primeiro
O índio não fala
na fala do jesuíta em seu nome
- na hora já madura -
Só a voz, a voz do outro
redimirá nossa cultura
Sei bem do prado infinito
que escapa à compreensão
deste pensamento aflito
por um céu e por um chão
Mas se não somos quem somos
e a nós mesmos evitamos
na busca de redimirmos
os danos que já causamos...
Se julgamos nossa herança
por aquilo que lhe escapa
não miramos na bonança
e acertamos na zurrapa?
Os temores me acometem
com fundamentos empíricos
se ao sonhar valores d'outrem
acordaremos inválidos
Se ouvimos desconfiados
as verdades que nos sopram
os nossos antepassados
outras crenças nos manobram
Sem que delas demos conta:
a superação da história
pela multiplicidade
da cultura e das memórias
Eis-me aqui, triste figura,
e pode que esteja errado
Não vos digo por mesura
mas por haver encontrado
no meu fado a rocha dura
de um rei que não tem reinado
de um quadro que é sem moldura
de um pássaro desgarrado
Só me valho por escusa
do meu coração exausto
minha fúria, minha musa
certo complexo de Fausto
Enfim, se ainda se usa
ofertar de ocasião
um ramalhete de glosas
não sei, mas de coração
Oferto e nada pretendo
que a vós a vossa família
Da saúde, cem por cento
da sorte a melhor partilha
(E assim finda o argumento
No alforje da redondilha)
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7. |
Quem vê cara
04:37
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Se você tiver um coração
Ou víscera qualquer
Fique à vontade pra me desamar como quiser
Raiva é direito de qualquer cristão
Mas sua raiva não é o revés da paixão
Não vem do vácuo de um amor
É grita de consumidor
Que exige a indenização
Porque amassaram seu embrulho
Avariaram seu orgulho
Ou bloquearam seu cartão
Acho que, aliás, tudo que eu fiz
Foi mais pra lhe ferir
Pra macerar sua fria secura de faquir
E lhe fazer ao menos infeliz
Mas tem um ângulo reto no seu nariz
E um quê de cacto no olhar
Que nem a dor pode abrandar
Quem olha vê que não condiz
O seu discurso com a cara
Pois um muro lhe antepara
E eu mal arranho seu verniz
Arranque a máscara se ainda for capaz
Ponha uma lágrima pra fora que eu já não aguento mais
Essa mortalha à guisa de paz
Esse fastio feito praga que se espalha
Eu preferia que você fosse cruel
Que me batesse ou me cuspisse ou me fizesse um escarcéu
Era melhor sorver o seu fel
Tomar um talho de navalha
Até morrer de tanta represália
Mas você tem palha no lugar
Que eu tenho um coração
Palha gelada onde chispa não vira combustão
Qual espantalho em região polar
Só que as palavras que você deu de falar
Tilintam como as de um robô
Que num arroubo variou
E não consegue mais calar
Porque deu curto no sistema
Quando ouviu um teorema
Sem registro em seu radar
Curto circuito no sistema
Quando ouviu um teorema
Sem registro em seu radar
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8. |
Polaquinha
04:12
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Tentaram me convencer
Que são só as omoplatas
Esses dois brotos de asas
Sob a tua camiseta
Dizem que em qualquer farmácia
Se consegue esse dourado nos cabelos
São só brutos que não sabem o que dizem
Que a nuvem onde moras
É fumaça de cigarro
Gelo seco de boate
Tua pele parafina
Nunca viu a luz do dia
Porque passa toda noite
Na vigília dos insones
Guardiã da boemia
E quando todos acordam
Ela vai pra sua cama
Sob o manto de Maria
Dizem que é motel barato
E adormece embalada
Pelo credo polonês
Do Santo Padre João
Mas não é o que dizem esses insensíveis
Polaquinha, meu anjinho
Não fique magoada
Cada um acredita no que quer
Polaquinha, meu anjinho
Não fique magoada
Cada um acredita no que quer
Polaquinha, polaquinha
Cada um acredita no que quer
Acreditar
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9. |
Passarinhão
05:27
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|||
Passa, passa, gavião
Todo mundo é bom e mau
Não me arranha o coração
Não assombra meu quintal
Passo-preto, passado que não passou
Que tambor te encantou?
Que ato, que palavra oculta te perpetuou?
O teu olho vazado me divisou
Tua venta ventou
Teu bico bicou bem o músculo que atrofiou
Por que te aninhaste debaixo do meu pensamento
Dentro de alguma dor
Com teu rumor de rapina e teu silêncio de tumor
Ávido pra me atiçar um sofrimento?
Sai, sai, passarinhão
Bacurau mudou de tom
Faz favor, tem compaixão
Todo mundo é mau e bom
Passo-preto, espantalho não te espantou
Tiro não te matou
Que crime dormido em meu sangue te maravilhou?
O teu ovo gorado já me agourou
Teu canto me calou
Ficaste vivo mais que a vida, o medo me empalhou
Por qual razão desconhecida botaste tocaia?
Praga ou desamor?
Tu que és metade uma harpia, metade és um estupor
Tu que penetraste o meu pesadelo, meu invasor
Passa noite, passa arribação
Passa a terçã
Passa, passa, gavião
Me larga e segue a trilha do acauã
Que a manhã rebrilha
Sai, sai, volta não
Passa, passa, gavião
Redondilha, redenção
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10. |
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10.1. AVE MARIA
Ave Maria
Gratia plena
Dominus tecum
Benedicta tu in mulieribus
Et benedictus fructos ventris tui Jesus
Santa Maria
Mater Dei
Ora pro nobis pecatoribus
Nunc et in ora mortis nostrae
Amen
10.2. RAINHA DO MEIO DIA
dedicada à memória de Ariano Suassuna
Das veredas, catingueiras e arraiais
Macambiras, barrancas de ribeirão
Das coivaras, tabuleiros e areais
Se alevanta, reino do meu capitão
Musa das horas
Pedra real
A tua rocha dá o sal
Chegada a hora
Do povaréu
A tua flora dá o mel
Ali será um céu
Cercado pelo mar
Ali não restará
A desgraça e o labéu
Não há conter
A fé dilatada
Dos tabaréus
Na desatada
Pelos caminhos
Pra cidade encantada
Contrafortes e moinhos
Tanta lida, tanto espinho
Malograda a vida
Mas a luz da espada
Cai sobre o cepo da trapaça
Até ver aparecer
No sol algum sinal da graça
de Deus
No sol do meio dia
Se te apiedas
Rainha da alforria
Do meu cansaço
No sol do meio dia
Gume de pedra
Rainha da alforria
Lume de aço
Ali será um céu
Cercado pelo mar
No fogo vai penar
O povo incréu
O velho tirano e o feitor
Soçobrarão na decadência
Só restará
Do grande incêndio que advir
Anunciar
Eldorado, reino do meu capitão
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Coletivo Chama Rio De Janeiro, Brazil
"Brazilian popular music has few rivals anywhere for structural sophistication. That hasn’t prevented at least one cabal of
experimenters from setting out to add even more intricacies."(Jon Pareles - NY Times)
Coletivo Chama is an arts collective based in Rio, gathering eight forward thinking musicians, composers and artists aiming to bring fresh air into the realm of Popular Brazilian Music.
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